quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Monguba. Coluna do Paladar, edição de 05 de outubro de 2016

Já  ia me esquecendo. Hoje teve coluna do Paladar. Está no Estadão impresso, lá no blog do Caderno e aqui também. 

MONGUBA

Meu contato mais intenso com estas castanhas se deu recentemente quando estive no Espírito Santo. No caminho sombreado e verde para a praia do Coqueiral de Aracruz avistei algumas árvores carregadas de mongubas ou mungubas, muitas ao alcance das mãos e um bom tanto já no chão. Acho que foi a primeira vez que pude coletar alguns quilos desta preciosidade cuja fama ainda não a alcançou.  Não tardará, pois estão pipocando trabalhos sobre seu efeito hipoglicemiante e composição nutricional, com boa proporção de ácidos graxos desejáveis e proteínas.

Fora parte da população amazônica, alguns poucos cozinheiros curiosos pela cultura regional ou pesquisadores que vivem tentando revelar o potencial alimentício e econômicos dos nossos recursos vegetais, pouca gente dá importância para a árvore, parente das paineiras, que ladeia avenidas em grandes cidades como Goiânia ou forma maciços floridos como no Aterro do Flamengo, no Rio.  Mesmo aqui em São Paulo, podemos encontrar estas árvores perto do Parque da Juventude e em tantos outros bairros,  mas sempre como planta ornamental com lindas flores de desenho rococó.  Ah, se soubessem o que abriga aquele fruto marrom e aveludado com cara de cruzamento de cacau com cupuaçu.  As castanhas marrons, forjadas como trufas se confundem no chão com seixos rolados e se soltam do fruto quando este se abre espontaneamente na hora certa da maturação.  A pele coriácea que envolve cada semente se solta facilmente e assim podemos degustar as castanhas mesmo cruas, quando têm sabor de amendoim de consistência crocante e tenra. 

Nativa da America Central e norte da América do Sul, a espécie Pachira aquatica pode ser vista facilmente em terras úmidas e alagadiças da floresta amazônica, daí o nome científico da espécie, aquatica.  No entanto, é uma árvore tão rústica e resiliente que se adapta a condições diversas, tanto de clima quanto de solo. E ainda, devido à beleza de suas folhas brilhosas, pode ser cultivada como planta de interior - às vezes com os caules entrelaçados como se faz em  Taiwan, onde é comum ter a planta em vasos nos escritórios, quase como um amuleto para trazer boa sorte. No ambiente natural ela pode alcançar 60 metros.

No Brasil, a introdução da árvore no paisagismo urbano começou em São Paulo e Rio de Janeiro na década de 1960, graças ao trabalho de Burle Marx.  Então,  é compreensível que muita gente veja aqueles frutos e fique na dúvida se são ou não comestíveis.  Eu mesma, desde que tenho o blog, recebo todos os anos fotos do fruto com a pergunta: sabe que fruto é este? Pode comer?

Felizmente a resposta é sempre sim. Cruas, cozidas, assadas, trituradas como farinha, as castanhas são deliciosas e apenas um fruto pode render alimento para quase uma família. Ela é parente de uma outra castanheira, o amendoim de árvore, Bombacopsis glabra, que recebe os mesmos nomes populares: castanha-do-maranhão, mamorana, cacau-selvagem, cacau-do-maranhão entre outros.  Esta também produz castanhas comestíveis e gostosas, porém o fruto é menor, verde e não aveludado.

Há estudos mostrando o alto porcentual de boas gorduras nas sementes e isto pode representar alternativas mais saudáveis de óleos comestíveis à nossa disposição, porém a maioria dos estudos sobre plantas oleaginosas comestíveis que tenho visto visa identificar fontes potenciais de óleo para biodiesel e não para alimento, sobrando-nos  o consolo de sementes pouco oleosas como a soja da qual se extrai a porção gordurosa à força dos solventes que sempre deixam resíduos.  Resta-nos, porém, a sorte de termos estas plantas espalhadas pelas ruas do Brasil. Assim como voltamos a fazer em casa nossos próprios fermentados, nossas bebidas, os pães e defumados,  logo poderemos fazer nossos próprios óleos que usaremos comedidamente em pratos especiais.

Eu já tinha comido monguba antes, mas nunca tão novas como estas que encontrei em Aracruz.  Frescas são leitosas, branquinhas e tenras e neste estágio podem ser comidas cruas. Depois de alguns dias, ficam mais firmes e murchas mas estão boas para cozinhar.
Para conservá-las por mais tempo, é bom embalar em plástico e guardar na geladeira.  Outra ideia é congelar já depois de cozidas e despeladas.  A pele sai fácil quando cozida, bastando fazer um pequeno corte e apertar, que a castanha limpa sai como tremoço.

Como foi a primeira vez que consegui uma grande quantidade, pude fazer alguns testes com as castanhas cozidas – quando cruas, apenas comi como petisco e posso dizer que isto é algo viciante.  Fui dirigindo os preparos de acordo com a aparência e sabor. Lembra amendoim? Que tal um hommus?  Tem cara de chapéu de cogumelo? E se trouxer alguns outros pra fazer companhia?  São como batatinhas de conserva? E se temperá-las com azeite e ervas? E assim fui fazendo.  Pareciam tantas, mas logo se acabaram, me deixando o desejo de encontrar a próxima árvore carregada.

Sei que muita gente vai se sentir frustrada por não ter como comprar mongubas no mercado - pelo menos não aqui em São Paulo, mas como às vezes é a demanda que cria o mercado, pode chegar na feira ou no mercado e perguntar:  ‘ onde fica a monguba?’  ou ‘quando chega a monguba?’.   Tenho certeza que há muitos produtores por aí deixando monguba apodrecer no chão.   E sempre temos a chance de encontrar uma árvore dessas carregada de frutos dando sopa por aí.

Felizmente sei também que muita gente de outros lugares do país não vai sentir frustração nenhuma, pois tem facilidade de colher os frutos nas árvores das ruas e quintais e também não vai ver nenhuma novidade em tudo o que estou dizendo, mas talvez se sinta estimulada a explorar mais as possibilidades de uso.  Quem conhecia a planta mas não sabia que as castanhas eram comestíveis, agora pode se aventurar na cozinha inventando moda.
E quem sabe um dia vamos ter nossas castanhas, como o baru, o licuri, a castanha de pequi,  o amendoim-de-árvore e a monguba  ocupando os mesmos espaços de gôndola que nozes, amêndoas, pistaches e avelãs importados. É só a gente ir mudando o foco.

Enquanto isto, deixo aqui um jeito simples e rápido de preparar.  Antes de fazer a receita, cozinhe as castanhas e, se quiser, mantenha-as congeladas.

Como cozinhar: lave as castanhas, coloque numa panela, cubra com água e leve ao fogo. Cozinhe por cerca de 20 minutos ou até ficar macia à mordida.  Com uma faca de legume, faça um corte na casca e aperte para a castanha escorregar.  Embale e congele ou use imediatamente.



Cogumelos com monguba

2 colheres (sopa) de manteiga
2 colheres (sopa) de molho de soja (shoyu)
250 g de castanhas de monguba cozidas
500 g de cogumelos variados ou de um só tipo  –  de paris, pleurotus, shiimegi
Meia pimenta dedo-de-moça sem sementes cortada em tirinhas
Meia xícara de cebolinha picada

Numa frigideira coloque a manteiga e o shoyu, leve ao fogo e misture até a manteiga derreter. Junte as castanhas e misture bem. Em seguida, acrescente os cogumelos (se usar cogumelo-de-paris, coloque-o uns 2  minutos antes que os demais). Misture  e deixe cozinhar por cerca de 2 minutos ou até que fiquem macios. Prove o sal e junte mais shoyu se necessário.  Desligue o fogo, junte a pimenta e a cebolinha. Sirva com arroz branco.

Rende: 4 porções 

29 comentários:

Patricia Kovacs disse...

Nossa, como já vi dessa fruta caída no chão por aí! E, claro, a gente nunca arrisca porque ninguém arrisca ("se tá jogado fora é porque não serve!")
Outra curiosidade que tenho é sobre uma fruta redonda, marrom, que tem umas flores grandes, exóticas e cheirosas. A fruta até parece um coco, sua polpa é branquinha. Aqui no Rio é fácil encontrar essa árvore (ou já foi mais fácil, o atual prefeito andou acabando com a nossa flora urbana). Essa fruta é comestível também?
Agora estou ansiosa por encontrar a monguba!
Amei o seu blog! Estou seguindo e compartilhando.

Unknown disse...

Oi Neide, que satisfação ler o seu texto, tão bem escrito, tratando da monguba! Maravilha! Na Fazendinha temos um pé de monguba que nos oferece sempre muitas castanhas deliciosas, além da sombra que nos protege um pouco do calor. Suas flores são realmente muito bonitas. Há uns dias atrás colhi umas castanhas que caíram na horta (se confundiam mesmo com os seixos) e preparei alguns pães integrais na Fazendinha
para as crianças. Elas adoraram. Muito obrigado, Neide, por tudo o que você faz em nome de uma alimentação saudável, saborosa e sustentável, parabéns! Vamos plantar e colher mongubas! Fraterno abraço.

Suzana disse...

Neide,

Aprendi muito mais com você através do seu blog do que com vários professores que conheci durante a minha graduação em biologia. Sério, sinto muita gratidão por você disponibilizar conhecimento de uma forma tão atrativa =D
Deixo abaixo um vídeo do YouTube sobre agricultura Sintrópico, porque sempre faço o link entre vc e esse assunto, sintropia.
https://www.youtube.com/shared?ci=8Exjin66j8M

Alex Ribeiro disse...

Como foi bom ler esse artigo, eu sempre li para todo lado que elas são comestíveis, mas nunca indicando se em natura ou precisava de preparo e como preparara! Obrigado Neite! Mungubas são comuns aqui na cidade em praças mais antigas, aqui perto mesmo tem várias árvores gigantescas dela. <3

Marcos Medeiros disse...

Aqui em Ituiutaba / MG chamamos essa árvore de Manguva.

Foi com desconfiança que comi as primeiras castanhas, mas já sou um experiente apreciador e divulgador de suas delícias. Obrigado!

André disse...

Hoje passando por uma grande avenida em sp me deparei com elas, vários pés,com flores e frutos, achei que era cacau... lindo e como adoro plantar,e quando vejo plantas/árvores que não conheço quero saber mais, pois nem tudo é só "mato" como dizem.. pesquisei e encontrei seu blog!! Demais!! agora quero ir lá colher.. sabe quando estão maduros? Tem que esperar cair ou posso tirar?

Unknown disse...

Olá Osmar!!! Poderia, por gentileza, enviar-me a receita do pão integral que você fez com as castanhas da monguba? Grata!!!

Marcel disse...

Neide, você teria outras receitas com a Monguba? Aqui no Rio os frutos começaram a cair agora no Aterro e queria aproveitar a ocasião (e minha mãe não se dá muito bem com cogumelos e Shoyu).

Lembro de ter lido em algum lugar sobre se fazer farinha ou substituto de café ou achocolatado com as sementes, mas não faço a menor idéia de como, então resolvi perguntar se você sabe algo sobre isso também.

Unknown disse...

Jesus 😱, minha avó paterna fez tanto sabão com "manguba", assim a conheci, agora fico sabendo que é "monguba". Tanto me falaram que ela é venenosa. Perdi tanto fruto desde que me entendo por gente (hj com 40 anos), por dizerem que era venenosa. Acho que vou começar a investir em mudas, plantar uma roça só de "mamonas", rsrsrs.

Unknown disse...

Tenho Manguba na minha chacara em Brasilia. Adorei saber que é comestivel. De fato lembra amendoim cozido e um pouco cogumelos. Gistaria de aprender fazer sabao com ela. Estou tentando porem nao tenho a receita.quem souber enciar para shayllebrito@gmail.com

Jeanne Otoni Pimenta disse...

Abricó de macaco. Linda

marina disse...

Conheci o monguba vendo este vídeo: https://m.youtube.com/watch?v=BbWLkpD712k&feature=youtu.be
tem 2 receitas maravilhosas requeijão e nutela de monguba.

Depois eu (coincidência!!) achei um pé aqui perto, e decidi fazer torrada, afinal, é tipo amendoim, né. E ficou mesmo.Uma delícia! Só mais suave. Agora pretendo colher mais, para testar o leite de monguba, e talvez uma farofa ou conserva

Unknown disse...

Conheço essa arvore desde pequena só hoje fiquei sabendo que ela é comestiva.
Meu avô faleceu e nunca soube disso ele disia que não podia comer só servia pra faser sabão

Unknown disse...

Oi,sabe se pode arrancar ela da árvore e abrir por si só? Faz mal? Tem como comer? Recomenda preparar as castanhas de outra forma?

engenheiro almeida disse...

Já fiz um sorvete de bananas e monguba: lavei as mongubas e assei no forno; descasquei-as e as triturei; coloquei uma dúzia de bananas prata bem maduras e descascadas no liquidificador e bati até virar um creme; coloquei num bowl e misturei com as mongubas trituradas; coloquei a mistura numa embalagem plástica de sorvete e levei ao congelador; quando endureceu retirei tudo e bati no liquidificador novamente; voltei para a embalagem e esta para o congelador; duas horas depois estava pronto; meu filho falou que lembrou sorvete de chocolate!

Unknown disse...

Não é abricó de macaco.elabse chama munguba ou manguba eu tenho vários pé

Neo disse...

Eu colho e se abro, só tem umas bolsas com água dentro. Se deixo muito tempo e espero ela abrir naturalmente, apodrece tudo. Não consigo fazer com que ela fique com cara de castanha, como faço?

Anônimo disse...

@Neo abrir naturalmente implica em esperar a maturação natural da planta . Aguarde e recolha as castanhas que cairem no chão após a abertura da "bolsa " que as contém .

Unknown disse...

Bom dia!adorei. Pois na chácara tenho um pé de monguba,descobri hoje pesquisando sobre cacau,agora vou aguardar elas caírem para desfrutar dessa maravilha. Obrigada pela boa informação. Um grande abraço fica com Deus.

Unknown disse...

Meu Deus!!Não acredito, temos uma árvore no quintal de um rancho e sempre me chamou a atenção...um dia observei que maritacas comiam o fruto e me atententei, q poderia ser comestivel.Tirei fotos da árvore, dos frutos e das castanhas, mas não sabia por onde começar; eu não fazia idéia do que era aquela árvore q me chamara tanto a atenção.Até q vi o fruto em uma reportagem do globo repórter, e mesmo não falando especificamente do fruto, ouvi alguns nomes diferentes e resolvi pesquisar no Google ....e bingo la estava ela, a monguba!!Obg foi uma experiência maravilhosa e com certeza vou incorporação la em nossa alimentação!!!

Unknown disse...

Olá Neide, tudo bom? Me diz uma coisa, eu posso colher o fruto verde, abrir e consumir as castanhas verdes? Mas no caso tenho que descasca-las né?
Me ajude com essa dúvida, sei na minha cidade tem muita!

Unknown disse...

Nossa que maravilha,tenho um pé deste carregado ,e não sabia hoje bati a foto e coloquei no Facebook e descobri este tesouro,, obrigada,agora bora aproveitar,

Unknown disse...

Oi adorei o blog, mas fiquei com dúvida, eu colhi e abri ela(sementes brancas) lavei e torrei, comi como petisco (mas não muito como amendoim), passado umas meia hora me deu muita mas muita náusea acabei vomitando tudo e mais um pouco, logo q isso aconteceu eu melhorei, vi um vídeo de uma moça falando q aconteceu com ela, então agora ela ferve. Será q é caso isolado?

isbela disse...

Tem que esperar o fruto cair da árvore sozinho? Ou como saber que está maduro para colher?

Unknown disse...

Obrigada pelas informações, descobri por acaso esta árvore em praça urbana aqui em Feira de Santana Ba seus frutos caíram em cima de um carro , fiquei curioso peguei alguns um senhor disse que era comestível, por isto vir pesquisa ,vou plantar grata pelas receitas .Há como é seu plantio demor muito para dar frutos?

Anônimo disse...

Tenho um pé no fundo do quintal, colhi o primeiro fruto hoje.....

Anônimo disse...

Meu nome é Ana e sou do RJ.

Anônimo disse...

Que delícia encontrar suas informações em forma deste belíssimo texto!
Parabéns 👏👏
Perfeito ❗
E pra mim, super útil! Já tenho desta planta a muitos anos e nunca tinha descoberto se quer o nome ..
Obrigada ❗❗
Sucesso ❗🤜🤛

Anônimo disse...

Nossa, que fantástico, tenho uma árvore enorme no meu quintal. Interessante, tenho uma família de Sagüis q vive no meu pedaço de paraíso no extremo sul da Bahia e eles estão sempre nessa árvore. Sempre achei as flores e as castanhas da Munguna ( não conhecia sequer o nome) lindas mas nem de longe imaginei q seriam comestíveis. Sempre tive receio de uma cair na minha cabeça rsrs. Amanhã vou observar se tem alguma no chão e não vejo a hora de experimentar. Muito obrigada pelas informações que vc passou! Grande abraço!
stael Helena