segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Tapioca em Dakar


Awa, primeiro aprendiz, depois ajudante dedicada
Como já disse em posts anteriores, fui ao Senegal a convite da ong francesa Solidarité (veja também o blog aqui) Nossa equipe técnica era formada por Jacques Berthelot, agro-economista, consultor de políticas agrícolas da Solidarité e quem me convidou, além de dois padeiros artesanais, de Toulouse, James Forest e Michel Cirès; duas mexicanas especialistas em técnicas agrícolas, Madelen Baez Navarro e Maria Candelária, da ANEC- Asociación Nacional de Empresas Comercializadoras de Productores del Campo, que fizeram tortilhas e ensinaram como preparar o milho nixtamalizado (eba, agora eu sei); e ainda dois indianos, Subramanian Siva Ramalinga, diretor da Solidarité India e Ugam Singh Bahti, agricultor, que fizeram chapatis com dois tipos de milhete. Ah, e eu, que fiz tapiocas como nunca. Nos acompanhou também o cineasta e historiador Mathieu Soudais, que está fazendo um documentário sobre a missão.

Por favor, não me pergunte sobre o Forum Social Mundial, que não vou saber responder nada além das questões sobre a necessidade urgente de incentivar o uso de cereais locais em detrimento do trigo - a África subsaariana importa quase 80% do trigo que consome atualmente (situação parecida com a do Brasil). Felizmente vê-se por toda parte a valorização dos cereais locais. Enquanto os foruns aconteciam no FSM, estávamos fazendo pães, tortilhas, chapatis e tapiocas para serem mostrados numa mesa redonda de que participou Jacques Berthelot, representação a organização. Todos puderam experimentar nossa produção e não sobrou nada. Nos outros dias das semana participamos ainda da Fiara - Feira Internacional de Agricultura e Recursos Animais, repleta de associações de pequenos produtores ou organizações de mulheres que trabalham com cereais locais e outros produtos artesanais.
Como no FSM não podíamos usar fogo pois as tendas eram de plástico, conseguimos mostrar o feitio dos pães chatos (incluindo a tapioca) numa tenda montada na entrada da Fiara. Não poderia haver lugar melhor, pois todos paravam para aprender a usar o milho, o milhete e a mandioca de uma forma diferente.
Todo mundo sabe que nossa mandioca faz parte daquele intercâmbio de ingredientes com a África. Quiabo pra cá, mandioca lá. Mas não pense que nossas especialidades indígenas – polvilho, beijus e farinhas de vários tipos são artigos comuns por lá. As mulheres senegalesas ficavam encantadas de ver cair pela peneira uma chuva de goma úmida sobre a frigideira quente e sair dali um disco branco e flexível. Polvilho ou fécula de mandioca não existe por lá. Há, sim, um tipo de cuscuz da Costa do Marfim e uma farinha finíssima como a de trigo. Em outros países africanos há outros tipos de farinhas, mas diferentes das nossas.
Awa foi uma das alunas mais aplicadas. Pediu para passar o dia comigo e anotava tudo o que eu dizia (mesmo sem eu falar francês e ela, português – empatia é surda e muda). Depois, não precisei mais me esforçar para explicar às outras senegalesas como extrair a fécula e fazer a tapioca. Awa explicava tudo direitinho. Ela é estudante de gastronomia, faz estágio num restaurante e é louca pra vir ao Brasil (é a de roupa azul e véu branco, nas fotos). Precisei improvisar um recheio com o que havia por lá. O mais prático foi usar leite condensado parecido como que temos aqui e coco ralado seco. Não ficou a mesma coisa que o feito apenas com coco fresco, mas todo mundo gostou. Eu fazia, enrolava como rocambole e cortava em pedacinhos pequenos para degustação. Não dava conta. Recheei alguns com manteiga de amendoim, feita apenas com puro amendoim, muito usada por lá. Ficou gostoso, mas a preferência foi a de coco.
As tortillas de milho quentinhas de Madelen e Maria eram irresistíveis e o aroma trazia gente de longe. Os chapatis dos indianos tinham a cor de trigo integral, mas sabor amendoada de milhetes. E os pães do Michel e James, feitos com batata-doce, milhete, milho, mandioca, amendoim etc, eram irresistíveis. Espero ter sido útil para algumas mulheres que prometeram reproduzir as tapiocas por lá. E espero que os padeiros africanos se inspirem nos pães de James e Michel e percebam que um mundo melhor é possível. Mas posso garantir que mais aprendi que ensinei. Não só com os senegaleses que fazem uma comida deliciosa, mas também com meus colegas de equipe que parecem ter sido escolhidos a dedo para estarem em Dakar comigo.
Bem, melhor do que eu ficar falando (mesmo porque instalou-se aqui a preguiça), é você ver as fotos. Aos poucos vou contando sobre Dakar e, depois, Paris.

As fotos em que apareço são de autoria dos amigos

Come-se no Weblog Awards 2011

O Come-se ficou entre os cinco finalistas na categoria "melhor blog latinoamericano" do Weblog Awards 2011, considerado um prêmio importante na blogosfera. Seria muita pretensão querer ganhar, claro, e, como só fiquei sabendo da indicação através de um jornalista da Folha quando as votações já estavam encerradas, de nada mais adiantava fazer campanha. De qualquer forma, me senti honradíssima de estar entre os cinco primeiros. Não sei quem indicou e quantos votaram, mas agradeço muito.
Veja os vencedores em todas as categorias, aqui: http://2011.bloggi.es/

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Voltei com a mala cheia

Demorei, mas voltei. Como previ, não consegui me dedicar ao blog nestas últimas semanas. Mas agora, com a cozinha abarrotada de produtos africanos(atieke, farinha de niebe, pó de bissap, fruto de baobá, óleo de palma, café com djar, sêmolas para cuscuz de tudo quanto é tipo etc), boas lembranças francesas e uma câmera nova, tudo volta ao normal. Cheguei hoje, por isto retomo o blog de verdade só na segunda-feira. Espero conseguir espantar a preguiça e contar tudinho, aos poucos.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Feira no Senegal

Cheguei ao Senegal há dois dias apenas e parece que estou há semanas num lugar diferente de tudo o que já vi. As experiências sensoriais são grandes demais para caber em poucas horas. E ainda tenho uma semana pela frente. Depois volto para Paris.
Ainda não participamos do Forum Social Mundial (apenas da Marcha e de uma recepção agora há pouco) e parece que nossa apresentação não será como a ong Solidarité havia programado, por questões operacionais.
Mas participaremos também de outra feira importante que acontece no mesmo momento, a Foire internationale de l´agriculture et des ressources animales - Fiara, que já visitamos ontem. Para mim, está ok, porque tenho aprendido muito sobre os hábitos culinários locais e trocado saberes com meus colegas cozinheiros/padeiros do mesmo grupo - duas mexicanas de vão fazer tortillas, dois franceses que vão fazer pães com vários tipos de farinha além do trigo, dois indianos que vão fazer chapatis de milhete e eu, beiju de tapioca. Vamos mostrar para algumas mulheres multiplicadoras nossas experiências. Conversamos em todas as línguas que cada um conhece e no final todo mundo se entende e se diverte.
Não vou falar da cultura do Senegal, que você pode encontrar facilmente em qualquer guia, mas cito aqui apenas as comidas. A Fiara lembra um pouco a nossa de Agricultura Familiar, com muitos produtos locais. Fiquei particularmente
impressionada com a variedade de cuscuz. Praticamente todo cereal ou alimento rico em amido pode virar cuscuz, que são os grãos reduzidos a bolinhas que, depois de hidratadas (se pré-cozidas) ou cozidas, ficam como uma farofa úmida.
Ontem, no restaurante Le Point d´Interrogation,
que serve comidas feitas com ingredientes locais (e que faz parte do Convívio Slow Food do Senegal), comemos um cuscuz de fonio com camarão e fiquei encantada com os grãos naturalmente miúdos - e tomei suco de baobá, gengibre e hibisco (hissap), muito típicos e encontrados em todos os lugares. Hoje comprei outro tipo de cuscuz vindo da Costa do Marfim, que é um cuscuz de mandioca - Attiéké. Há ainda muitos produtos do amendoim e também de baobá, como pó para suco e a polpa desidratada para comer como snacks.
Fora a chateação de ter deixado minha máquina talvez no taxi e talvez não ter mais fotos para mostrar, estou adorando a experiência. E, d'aujourd'hui, c'est tout!

Sucos de gengibre, hibisco (hissap) e baobá (resinoso, amendoado, uma delícia)

Achei um pé de moringa na rua









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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Feira em Paris

Fellipo com seu bebê - um sal de Guerande com tempero inventado por ele (je suis un artiste, dizia ele, todo convencido)
Hoje fiquei sozinha. A Leda, minha amiga e ex do meu irmão, está me recebendo em sua casa, e foi trabalhar na biblioteca. Os pequenos ficam hoje o dia todo na escola. E minha sobrinha Flora estuda na Sorbone e também passa o dia fora. Tome a chave e vá à feira aí em frente; tem vinho Monbazillac na geladeira; tem lentilhas verdes prontas, pão, salada e queijo; use o fogão se quiser; o código da porta é este; se vire e au revoir. Enrolei muito até tomar coragem de sair à rua, mas não resisto a uma feira e lá fui eu com a cara e a coragem, mais com a cara. Depois de ver um monte de turista chinês apontando, fazendo mímica e pagando pelo que queria, a coragem foi brotando. Ensaiei uma frase que ajudou a abrir portas e sorrisos - Bonjour, monsieur, permettez-moi de prendre une photo, s'il vous plaît?. Muitos oui e apenas um pas de photo.

Frutos do mar e escargôs
Radis noir: um tipo de nabo branquinho, crocante, mais denso e bem picante
Panais: Pastinaca sativa - parente da cenoura. Também chirívia, parsnip etc
Rabanetes, batatas e tupinambo ou alcachofra de jerusalem (Helianthus tuberosus) - que tem realmente gosto de alcachofra
Abaixo, minha feirinha


Mexilhões, vieiras, ouriços-do-mar, radis noir, tupinambo, panais, tomates, salsa, couve-rábano
Ainda não sei o que vou fazer de jantar, mas comprei umas raízes, experimentei cru, cozinhei todas, passei por azeite junto com os mexilhões - que aferventei em água temperada com vinho e o sal bebê do Fillipo. E nhac, foi meu almoço.
Fotos no Marché Bastille
Bd Richard-Lenoir, 11th
Metro Richard-Lenoir

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Paris


Cheguei com medo de que me parassem na alfândega, que eu tivesse que explicar em francês que seis quilos de polvilho eram só fécule de manioc e que outros tantos de diferentes farinhas de mandioca não eram farinhas quaisquer. Mas foram com minha cara e estou aqui comendo pão com queijo e tomando vinho com minha ex-cunhada e sobrinha. Já andamos pela Bastille, entramos em lojinhas, levamos as crianças à piscina, compramos casaco, tiramos fotos e amanhã é outro dia a zero grau e céu cinza. C´est tout!