segunda-feira, 30 de junho de 2008

QUEM É CREM?


Aqui, triturado com kinkã, com beterrada e puro.

Desde a semana passada que estou tentando descobrir o mistério do crem enviado pelos amigos Rui e Mariângela, de Porto Alegre. Queria saber o nome científico da batata pré-histórica para descobrir mais sobre ela, já que não é aquela raiz forte que conhecemos (Armoracia rusticana). Desta, ganhei uma para plantar, trazida da Hungria pelos parentes da leitora e vizinha Verônika (aquela dos menininhos e a abóbora – aliás, até ontem, ela, a abóbora, estava intacta, quando a abri e fiz um creme que publico em breve).

Pois bem, esta é a raiz forte que todos conhecem:


Destas, refoguei as folhas e plantei a raiz no quintal, que já lançou nova folhagem.

Vejam a mensagem da Verônika, me enviada em abril: “olhei no meu quintal e achei duas coisas que você talvez tenha interesse: semente de vinagreira (groselha) e uma muda de raiz forte (com o calor e a umidade, dá menos raiz que na Hungria, mas dá muita folha, para saladas picantes). É preciso cuidar porque se alastra e vai ficando difícil arrancar toda ela - sempre sobra um pedaço de raiz que vai brotar na próxima chuva. Mas um sítio é sempre um sítio”. Acontece que plantei aqui mesmo no quintal. Veremos no que vai dar.

Pois é, quem me conhece sabe que quando encafifo com uma coisa sou capaz de passar horas, dias, procurando obsessivamente mais sobre o assunto. É o que venho fazendo desde a semana passada, deixando de lado até obrigações importantes. Mas chega a hora de jogar a toalha. É que o crem da mãe alemã do Rui é de outra linhagem, embora a Dona Lidia König Gassen o cultive há décadas lá em Santa Rosa-RS dando-lhe o mesmo destino do outro. Coitado do Rui, deve ter se arrependido de ter me dado as batatas. Soubesse ele que ficaria depois infernizando pra saber a origem, o nome científico, não as teria enviado. Na tentativa de aplacar logo minha chatice, mandou algumas explicações práticas, descreveu a velha Hübler que cultivava esquisitices e que presenteou o crem-cipó à mãe, apelou para o irmão, tirou fotos da batata brotando, da planta na cerca e até da mãe, dona Lidia, pra provar que o tal do crem não é rastro de onça. Mas eu quero mesmo é saber o nome em latim. O nome em latim, Rui! Ou qualquer outro nome que não sejá raiz forte ou crem.


A polpa é branca e crocante. Vai bem também ralada em saladas.
Apesar de ter o mesmo sabor e a mesma pungência da Amoracia, as folhas miúdas dão em ramos trepadores. Vejam o email delicioso do Rui Gassen:

Oi Neide
Infelizente não tenho a mínima idéia de onde veio esta versão tubérculo do crem. A versão com raiz veio da Alemanha. A minha mãe falou que ela ganhou as duas versões desta senhora que tinha coisas esquisitas em seu quintal. (talvez até as mandrágoras gritadoras). Lembro também que ela ia com uma carruagem puxada por dois cavalos para vender seus produtos esquisitos na feira verde de Santa Rosa. Eu quando eu era criança, ia no potreiro dela escondido e subia nas árvores para comer ariticum (um tipo de fruta do conde em miniatura). Também tinha medo do marido dela, um senhor taciturno, sem muitas palavras e um olho de vidro, que atravessava todo o sábado a roça de meu pai nos fundos de casa para ir jogar bocha em um clube da colônia. Ele a acompanhava na feira. Parecia um Zumbi. Infelizmente ela e seu Zumbi levaram o segredo para a sepultura. Nós a chamávamos de véia Hübler. Só consegui ir à casa deles porque a vontade de comer mangas das quais só sabia que existiam por livros do sítio do pica-pau amarelo foi maior que meu medo. Juntei meus trocados e voltei com as mãos carregadas de mangas mirradas mas maravilhosas. Tinha a idade da Laura. Não ajudei grande coisa, mas é isto aí
Abraços
Rui


De Porto Alegre pra São Paulo. Aqui a mãe do Rui, Dona Lídia König, que ganhou crem-cipó da Senhora Hübler. Deu pro Rui, que deu pra mim.

Rui apela para o irmão, sem muito sucesso:

Rui e Mariângela,
Sobre a raiz-forte. A mãe recebeu de uma senhora descendente de poloneses, do município de Getúlio Vargas, há 50 anos. Tinha dois tipos de raiz-forte: a tradicional, tipo nabo e a trepadeira, mais rústica. Seguem fotos da raiz-forte trepadeira.
Dirceu

Nas minhas procuras, achei o jeito de preparar a raiz forte comum e adaptei para nosso crem-cipó:

Piquei e processei 250 g de crem-cipó (chamarei assim na falta de outro nome, por enquanto), processei com ¼ de xícara de água gelada e 2 pedras de gelo, até ficar bem triturado. Juntei 1 colher (chá) de sal e 3 colheres (sopa) de vinagre. A uma parte dela, juntei um pedaço de beterraba e processei para ficar vermelho. Juntei mais sal e mais vinagre porque a beterraba diluiu a preparação. A uma outra porção, juntei duas kinkãs finamente picada e uma pitada de açúcar. Processei tudo.

O que vou fazer com isto ainda não sei. Comer com peixe defumado, misturar com manteiga amolecida e servir sobre batatas, usar no molho de carne, com creme azedo. Não sei. Aceito sugestões.

O texto abaixo, leia só se quiser saber mais sobre a raiz forte comum. Adaptei, me auto-plagiando, de um texto maior que escrevi para a revista Caras há séculos, mas ainda vale. Toda a explicação sobre a composição da pungência deve ser a mesma para o crem-cipó.

A planta Armoracia rusticana é originária do Sudoeste da Europa e Oeste da Ásia, mas é cultivada atualmente em toda a Europa, nos Estados Unidos e nas regiões mais frias da América do Sul. A raiz comprida tem casca fina, áspera e marrom clara, tem polpa branca ou creme. Pertence à mesma família da couve, da mostarda, do nabo, do rabanete e outros. Aliás, lembra um nabo daqueles bem fortes e também aquelas folhinhas de mentruz rasteiro.

Em alemão recebe o nome de meerrettich; em francês, raifort; horseradish em inglês e rafano ou cren em italiano. A planta conhecida como “raiz forte verde” ou “raiz forte japonesa” (Wasabi) é diferente botanicamente da Armoracia rusticana, mas assemelha-se por sua raiz também pungente. Então, agora, são três raizes-fortes de diferentes espécies, se contarmos com o crem-cipó. Pelas características da planta, acredito ser de outra família.

Quando está sendo ralada, a raiz forte libera um vapor irritante para os olhos, assim como a cebola. E isto vale para os três tipos. A substância ativa responsável é o isotiocianato alílico, também conhecido como óleo de mostarda, que irrita as terminações dos nervos olfativos, causando lágrimas e salivação. Por isso o procedimento deve ser feita sempre com a janela aberta.

Para ressaltar suas características, a raiz forte pode ser misturada com vinho branco ou vinagre de cidra e açúcar. Para um molho mais sutil e discreto, deve-se usar apenas um pouco de raiz forte para aromatizar creme azedo, iogurte ou creme batido (ou com partes iguais de iogurte e creme de leite) adicionando um pouco de açúcar, sal e um pouco de suco de limão para balancear o sabor. Nozes picadas e cebolinha constituem ótimas combinações para esses molhos. Pode ser servido com roast beef, carnes assadas, peixes, particularmente os defumados, ovos e frango. Fica maravilhoso com beterrabas ou em molho de maçã.

Como usar: lave a raiz forte, esfregando vigorosamente, divida em 3 ou 4 pedaços, e então raspe a casca e rale a quantidade que for usar aproveitando mais a parte externa. A parte central é filamentosa e insípida e deve ser desprezada. Depois de ralada, ela perde sua pungência se deixada exposta. Então, se não for usá-la imediatamente, é melhor congelá-la. Inteira, pode ser congelada por até 1 ano. Para conservá-la refrigerada, coloque os pedaços dentro de um saco de papel e depois dentro de um saco plástico e guarde na geladeira por até 2 semanas. Quando ralar, faça-o em local arejado, pois o vapor liberado é irritante para os olhos, fazendo-os lacrimejar. O óleo volátil que dá o sabor e a pungência é extremamente suscetível ao calor. Por isso, a raiz forte deve ser sempre adicionada no final do cozimento de molhos quentes, quando já estiverem mornos ou, se possível, imediatamente antes de servir. Para fazer um molho com creme de leite, para acompanhar carnes assadas ou peixes defumados, combine 1 xícara de creme de leite azedo, 3 colheres (sopa) de raiz forte ralada, 1 pitada de sal e outra de pimenta.

Nota: Graças ao comentario do Tiago Pilla, temos cá o nome da batata-crem - Tropaeolum pentaphyllun Lam. Para saber mais sobre ela, veja a página 63 desta cartilha de agrobiodiversidade.

sábado, 28 de junho de 2008

O sertão está em toda parte - 100 anos com Guimarães Rosa

Para quem não conhece, um aperitivo do Grande Sertão. Para quem já teve a felicidade de ler, Guimarães não enjoa, nunca acaba, é leitura para uma vida. João Guimarães Rosa teria feito 100 anos ontem.

"A beleza aqui é como se a gente a bebesse, em copo, taça, longos, preciosos goles servida por Deus. É de pensar que também há um direito à beleza, que dar beleza a quem tem fome de beleza é também um dever cristão." Grande Sertão: Veredas


Em 2004 visitamos sua casa natal em Cordisburgo - MG. Aqui, o armazém do pai.

Céu alto e o adiado da lua. Com outros nossos padecimentos, os homens tramavam zuretados de fome - caça não achávamos - até que tombaram à bala um macaco vultoso, destrincharam, quartearam e estavam comendo. Provei. Diadorim não chegou a provar. Por quanto - juro ao senhor - enquanto estavam ainda mais assando, e manducando, se soube, o corpudo não era bugio não, não achavam o rabo. Era homem humano, morador, um chamado José dos Alves! Mãe dele veio de aviso, chorando e explicando: era criaturo de Deus, que nú por falta de roupa... Isto é, tanto não, pois ela mesma ainda estava vestida com uns trapos; mas o filho também escapulia assim pelos matos, por da cabeça prejudicado. Foi assombro. A mulher fincada de joelho, invocava. Algum disse: - "Agora, que está bem falecido, se como o que alma não é, modo de não morrermos todos..." Não se achou graça. Não, mais não comeram, não puderam. Para acompanhar, nem farinha não tinham. E eu lancei. Outros também vomitavam. A mulher rogava. Medeiro Vaz se prostrou, com febre, diversos perrengavam - "Aí, então, é a fome?" - uns xingavam. Mas outros conseguiram damulher informação: que tinha, obra de quarto-de-légua de lá, um mandiocal sobrado. - "Arre que não!" - ouvi gritarem: que, de certo, por vingança, amulher ensinasse aquilo, de ser mandioca-brava! Esses olhavam com terrível raiva. Nesse tempo, o Jacaré pegou de uma terra, qualidade que dizem que é de bom aproveitar, e gostosa. Me deu, comi, sem achar sabor, só o pepego esquisio, e enganava o estômago. Melhor engulir capins e folhas. Mas uns já enchiam até capanga, com torrão daquela terra. Diadorim comeu. A mulher também aceitou, a coitada. Depois Medeiros Vaz passou mal, outros tinham dores, pensaram que carne de gente envenenava. Muitos estavam doentes, sangrando nas gengivas, e com manchas vermelhas no corpo, e danado de doer nas pernas, inchadas. Eu cumpria uma disenteria, garrava a ter nojo de mim no meio dos outros. Mas pudemos chegar na beira do dos-Bois, e na Lagoa Sussuarana, ali se pescou. Nós trouxemos aquela mulher, o tempo todo, ela temia de que faltasse outro de-comer, e ela servisse. - "Quem quiser bulir com ela, que me venha!" - Diadorim garantiu. - "Que só venha!" - eu secundei, do lado dele. Matou-se capivara gorda, por fim. Dum geralista roto, ganhamos farinha-de-burití, sempre ajudava.

João Guimarães Rosa
Grande Sertão: Veredas

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Arroz de grelos



Eu tinha acabado de me formar na universidade e trabalhava numa cozinha experimental. Isto tem mais de 15 anos. Estávamos testando receitas portuguesas e minha função era coordenar o trabalho das cozinheiras, organizar as compras e resolver pepinos como encontrar ingredientes inusitados. O primeiro deles foi descobrir onde encontrar os tais grelos para um arroz lusitano. O primeiro lugar que me ocorreu ligar foi para a Casa Santa Luzia, a quem sempre recorríamos no desespero. Grelos? frescos? hahaha./ É, grelos frescos sim, vocês têm? E o moço só fazia rir. Eu insisti e ele passou para outro com sotaque nordestino ainda mais carregado. Este riu como o quê. E quando repetiu: grelos?frescos?, um eco de gargalhadas entrou pelo telefone. Não conseguiam nem falar. Por fim, desligaram o telefone na minha cara de paisagem e devem ter passado a tarde rolando de rir. E eu lá sabia que em algumas regiões do Brasil grelo era um dos apelidos mais chulos para clitóris? Só descobri anos mais tarde e aí fui entender a algazarra e excitação toda dos moços. Bem, se no Santa Luzia não havia grelos frescos, onde mais encontrar? Acabamos usando folhas novas de mostarda e de brócolis no arroz de grelos. Não me lembro, mas acho que deu certo.
Pois outro dia estive no Santa Luzia e encontrei finalmente estes grelos da Galicia, com um pouco de atraso para os meus testes mas não para matar minha curiosidade. Não frescos, mas congelados. Chegando em casa, a primeira coisa que fiz não foi preparar a iguaria, mas sim repetir a mesma ligação de 15 anos ao Santa Luzia para conferir se alguma coisa mudou de lá pra cá. Alô, por favor, o senhor tem grelos? Um silêncio.......... , nenhuma risada. Ela vai estourar, pensei. Repeti com outro acento. Ah, sim, acho que tem, um minuto. Ufa! Voltou. Olha, tem dele congelado, um quilo R$ 20,80. Ah, tá bom, obrigada! Todo mundo sabe que os funcionários do Santa Luzia são educadíssimos, treinadíssimos, super gentis. Mas grelos foi demais para eles naquela época. Fiz o arroz adaptado da receita da amiga portuguesa Elvira, do Elvira Bistrot, que adaptou do livro da Maria de Lourdes Modesto (Cozinhar com Vegetais) e servi com os agulhas fritos, cuja receita e a promessa do arroz estão aqui. Ficou muito bom, imagino que melhor se os brotos fossem frescos. Mas combinou muito.

Da Galicia, onde são verduras de inverno, consumidas frescas. As folhinhas descongeladas, abertas. No sabor, lembram nossas folhas de mostardas, só que mais suaves.
Ah, grelos são brotos ou folhas bem novas de verduras. As que comprei são de nabo. Mesmo congeladas, mantém o aroma de brotos de mostarda somados com folhas novas de couve. Se não encontrar grelos facilmente, não saia por aí perguntando que poderá se dar mal. Procure por brotos novos de verduras como nabos, rábanos e rabanetes (ou use as folhas bem frescas e jovens destes legumes orgânicos) e tudo dará certo.
Arroz de grelos

Meia cebola picada
1 dente de alho socado
1 colher (sopa) de banha (por minha conta) e 1 de azeite
1 xícara de arroz cateto (ou tipo batatais, mais cremoso que o agulhinha)
1 xícara de grelhos congelados - descongelados, espremidos e picados 1 colher (chá) de sal
2 xícara de água fervente

Numa panela, em fogo alto, refogue a cebola e o alho na gordura com azeite até começarem a dourar (sem deixar escurecer). Junte o arroz e mexa por 1 minuto. Junte os grelos e o sal, mexa e adicione a água quente. Quanto estiver fervendo, tampe a panela, abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 15 minutos ou até que a água tenha sido absorvida e o arroz esteja macio e úmido.

Rende: 4 porções

Nota: gosto de arroz meio malandrinho, molinho, cremoso. Mas, se quiser, use arroz agulhinha para deixa-lo mais solto.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Banana pacovã grelhada com gergelim preto, servida com mel de caju


Pois é, à pergunta de ontem só um anônimo deu a resposta certa (veja nos comentários do post anterior). Banana caramelada! Não qualquer banana, é claro. Um bananão. A Jerônima Barbosa, minha amiga do Marajó, veio para o Laboratório Paladar, que aconteceu na semana passada, e me trouxe muitos mimos, entre os quais duas bananas pacovã (também conhecida como farta-velhaco ou chifre de boi), muito comum no Norte. Lembra a nossa banana-da-terra, só que mais gorda e maior – pode chegar a 30 centímetros. Em Manaus ela está por toda parte – no café da manhã e nos fast-foods de rua na forma de chips ou fritas com açúcar e canela. E até nos sandubas.

O gostoso mesmo é comê-la frita ou grelhada, mas bem madura, quando grande parte do amido transformou-se em açúcares. Com mais umidade, mais açúcar e com uma casca flexível e firme que a protege, ela carameliza fácil e bonito sem precisar de qualquer gordura ou reforço de doce. Foi isto que fiz. Deixei ali, amadurecendo, quase um cozimento a frio que a foi tranformando num creme um pouco mais ácido. O segredo é esperar este ponto, o auge da maturação, sem deixar passar. Quando estava bem molinha, julguei ser o momento exato de terminar o preparo no fogão. Cortei ao meio, de comprido, e apenas juntei umas sementinhas de gergelim preto pra dar mais graça – colei na polpa exposta, pressionando com os dedos. E virei as duas metades contra uma frigideira antiaderente bem quente, sem gordura. Depois de uns dois minutos ou quando já estavam bem caramelizadas, virei-as deixando a casca para baixo para cozinhar mais um pouco. Aí foi só regar com um pouco de mel de caju, mas nem precisava, e comer às colheradas direto da barquinha. A cor se intensifica e a fragrância chama quem está lá fora. Na boca, o sabor é de um equilíbrio tão complexo que o manjar parece ter levado dias para ser preparado (e levou!). E a textura, bem, é esta da foto. Não há termomix que consiga reproduzir. Um pudim, um creme, uma musse. O restante comi com salada de alface e carambola temperada com vinagrete.


Coloquei junto a bananinha-ouro só para humilhar. Mentira, é para comparar o tamanho que não tem a ver com qualidade, afinal as pequenas, que comprei na estrada que leva à Santos neste fim de semana, são também muito boas, mas ainda não estavam suficientemente maduras para este tipo de preparo complicadíssimo...

Yes, nós temos bananonas!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Fui comer no Bahia



No sábado deixamos no aeroporto a Ananda, que já saiu a saracotear de férias. Deu aquela tristeza esquisita que só quem tem filho sabe como é. Já era tarde e a barriga grudava de fome na costela. Marginal parada, zona norte, lembrei: galinhada do Bahia, ueba! Todo mundo já falou dele na imprensa especializada, toda crítica boa está lá emoldurada e são dezenas, mas eu mesma só tinha passado perto. Sem endereço, me lembrava que era em frente ao estádio da Portuguesa. Passa o estádio, entra à direita e a gente já vê placa. Você pode estranhar um pouco, afinal o restaurante fica nos fundos de uma viela com casas muito simples. Pelas janelas abertas para a passagem a gente vê a geladeira, a mesa da cozinha e a televisão das casas vizinhas. As mesas com cadeiras de plástico ficam num terraço coberto com telhas de amianto e plástico verde. Com a chuvinha fina, o chão estava um leguedê danado, mas o lugar ainda estava cheio, animado, barulhento. O cheiro era prenúncio de coisa boa. Aí começa a chegar prato, um atrás do outro. Por um preço único (R$ 25,00) você é servido de um banquete nordestino. Por R$ 27,00 vem o carneiro também. Legumes cozidos, galinhada de verdade – com pé, pescoço, moela, oveira-, galinha ao molho pardo, farofa, baião-de-dois, arroz, e outras comidinhas. Claro, muito mais do que pedia minha fome melancólica, mas aquilo sufoca qualquer tristeza. Uma cachaça, uma cerveja, uma pimentinha e a alegria vem brotando. O tempero é bom, sente-se o cominho, o grão do coentro, de longe a hortelã, mas tudo bem dosado. E o tal do Bahia esbanja a mesma simpatia e humildade com que deve ter cativado seu público.

O maior orgulho da comida feita por ele, sua irmã e sua mulher

O talento do Seu Raimundo Souza Soares, o Bahia, para o fogão veio naturalmente ainda criança, observando a mãe cozinheira, em Rui Barbosa-BA. Veio para São Paulo em 1975 depois de ter quebrado com negócio de gado (trabalhou de açougueiro, matando boi, mas quebrou mesmo foi comprando e vendendo). Aqui veio ser empregado de numa distribuidora de bebida. Sozinho, saudade de casa, começou a reunir amigos no final de semana pra comer e tomar umas. Principalmente pra tomar umas. Começaram a encher a cabeça do cabra: pô, Bahia, você cozinha bem, por que não monta um restaurante! Já no Canindé, em 1981, fez um puxadinho no quintal de casa e começou não com o restaurante, mas com o forró. Se ele tocava sanfona? Não, o negócio dele era mesmo dançar. A comida veio depois, naturalmente, afinal forró dá uma porra de uma fome (atenção: merde pra francês e porra pra baiano não é palavrão, não senhor) e cozinhar ele sabia. Pois é, o negócio vai muito bem obrigado. Tem até uma mangueira no meio do salão. Claro que Marcos e eu não pudemos deixar de compará-la com a figueira do Rubayat. Cada qual com sua honestidade. E o Bahia tem lá seu charme.

Aqui também tem uma árvore no meio do salão

Como chegamos tarde, o movimento foi fraquejando e deu pra conversar um pouco com o homem alto, sertanejo forte, daqueles que podem catar um boi à unha. Mas também gentil e generoso, afinal me deu sem nenhum ciúme ou hesitação a receita da galinhada e do carneiro – a buchada de lá também é feita com carneiro e não bode, pois tem maior aceitação, diz ele. De fato, muito boa, com sabor delicado o recheio de sarapatel. Quando já estávamos fora, na viela, lá veio o Bahia me chamar: Olha, eu fiz um cozidinho de encomenda, mas não dá pra fazer cozido de pouco, então quero saber se aceita levar uma marmitinha de presente. Oxente, e eu ia recusar? Quantidade familiar, com pirão e tudo. Foi meu almoço de hoje, bem sortido, bem curtido. Valeu, Bahia! Voltarei.

Uma pequena parte da minha marmitinha de cozido - com carne seca, batata-doce, maxixe, repolho, couve, milho, banana, cenoura... E ainda tinha o pirão.

Ressaltando a facilidade de se fazer a galinha de cabidela

Já que o bicho morreu, não se deve desperdiçar nada. Aí está: buchada.
Carneiro ensopado

5 kg de carneiro
300 g de toucinho defumado cortado em cubos
1 xícara de óleo
1 cebola média picada
1 pimentão médio picado
4 galhos de hortelã picados
6 folhas de manjericão
1 tomate grande picado
6 dentes de alho socado
1 colher (sopa) de colorau – urucum
1 pitada de orégano
5 folhas de louro
4 galhos de salsa
½ xícara de vinagre de vinho tinto
Sal a gosto

Corte o carneiro em pedaços, lave com limão, coloque numa panela aberta com água que cubra. Leve ao fogo e deixe até ferver. Passe para um escorredor, lave em água fria e deixe escorrer bem.
Na mesma panela, coloque o toucinho e o óleo e deixe dourar. Junte o carneiro aferventado e refogue com todos os ingredientes restantes. Cubra com água quente e cozinhe por cerca de 30 minutos ou até a carne ficar macia.



Galinhada do Bahia

½ xícara de óleo
4 dentes de alho socados
1 cebola média picada
1 tomate picado
4 colheres (sopa) de vinagre
1 pimentão médio
5 folhas de manjericão
5 folhas de hortelã
4 folhas de louro
1 colher (sopa) de colorau
½ colher (sopa) de cominho
1 pitada de orégano
3 galhos de salsa
Sal a gosto
1 galinha caipira de 2,5 kg, picada, lavada em água fervente e escorrida

Coloque o óleo numa panela e deixe aquecer. Junte todos os temperos e refogue por 3 minutos. Junte, então, os pedaços de galinha e refogue por 2 minutos. Adicione 2 xícaras de água quente e deixe cozinhar por 30 minutos ou até os pés ficarem bem macios.

Galinha de cabidela (ou galinha ao molho pardo)

Recolha o sangue de uma galinha caipira e coloque no liquidificador com ½ xícara de vinagre, suco de meio limão, 5 folhas de hortelã e 1 tomate. Bata tudo e despeje na panela com a galinha feita do mesmo modo que a galinhada. Deixe ferver por 5 minutos e pronto.

Nota: segundo ele, neste caso deve-se comprar a galinha viva para abater em casa, já que não há sangue para vender.

Serviço
Galinhada do Bahia
R. Zurita, 46 - casa 08 - Canindé- SP
Tel. (11) 3315-8614

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Mais Paladar Brasileiro e Radiografia da Mandioca

Farinha fina (a comum, sem pubar), farinha d´água comum e farinha d´água especial de Bragança, no mercado Ver o Peso, Belém-PA

Goma fresca e úmida, no Ver o Peso, Belém-PA

Farinhas finas e de copioba, na feira de São Joaquim, Salvador-BA

Extra, extra! Corram às bancas e comprem o Estadão. O caderno Paladar traz uma cobertura completa do Laboratório de comida brasileira que aconteceu neste último final de semana e do qual participei. Só agora, junto com todo mundo, é que pude ver detalhadamente o que aconteceu enquanto eu mesma estava com a barriga fria comandando o fogão. Se quiser, dê uma espiada no portal, onde também poderá conferir algumas coisas. Imagino o trabalhão da equipe pra conseguir fazer caber tudo aquilo num só caderno. São ingredientes, receitas (até da pamonha), chefs renomados, fotos de produtos e muitos sabores esquecidos. Que não deveriam ser, afinal são nossos sabores ou pelo menos já bem assimilados há séculos. O bilimbi (é assim que aparece nos dicionários, mas também pode ser biri-biri, biribiri, caramboleira-amarela ou limão-de-caiena, a Averrhoa bilimbi), por exemplo, valorizado na cozinha do Beto Pimentel, apesar de ser muito usado como conserva em algumas regiões de Minas e Nordeste, já foi muito mais aproveitado na cozinha como limão de temperar antes de os cítricos se espalharem pelo país todo, daí limão-de-caiena. Não é um limão, diga-se. É da família das carambolas. Aliás, as três frutas vieram da Ásia. Na Ilha do Marajó, na casa da dona Jerônima, fiz um ceviche de turu usando bilimbi e limão e ficou muito bom. Se não me engano, na entrada do prédio da Bienal, no Ibirapuera, tem um bilimbizeiro.
Mas, voltando ao Laboratório e fazendo um paralelo com o mundo da moda, me lembrei do que disse ontem o estilista Kenzo Takada, que veio para o São Paulo Fashion Week: acha uma pena que hoje a moda seja igual em todo lugar do mundo. Com a comida, dá-se o mesmo. Quer coisa mais entediante que tomar o mesmo café da manhã em qualquer hotel em que você vá? E a palavra “regional” quando é usada, sempre vem sempre carregada com uma pitada pejorativa demonstrando que aquilo é diferente e pitoresco, quando deveria ser o contrário - sinônimo de raiz, origem, iguaria, do que é nosso conhecido e não exótico. Mas é isto. Quem sabe o Laboratório tenha servido para dar uma lubrificada no botãozinho emperrado do orgulho por nossos quiabos, taiobas, pamonhas, moquecas, mangaritos, farinhas, camarões secos, carne de bode ou turus. E com tudo isto bem resolvido, por que não incorporar as novidades facilitadas pela globalização?

Depois da aula "radiografia da mandioca", cheguei à conclusão de que há muito ainda a aprender sobre nossa rainha. Por isto e aproveitando a exposição que fizemos durante a aula, aproveitei para pulverizar um pouco mais os derivados da mandioca que mostramos. Só pra me safar, saibam que a confusão de nomes é geral. Temos uma legislação brasileira que tenta padronizar nomes e definir qualidades, mas as farinhas artesanais ganham nomes e formas de preparo diversos dependendo da região e da criatividade. O importante é reconhecer estes produtos e valorizar estas diferenças. Nem tudo é farinha do mesmo saco.

Puba ou massa de mandioca – mandioca deixada em água corrente ou em tanques para pubar (amolecer) por cerca de 5 dias. Quando está mole, é triturada só ou com uma parte de mandioca fresca, lavada, prensada para tirar parte da goma e peneirada para reter as fibras e resíduos duros da mandioca (crueira). A massa fina obtida é vendida fresca para fazer mingau, cuscuz com coco ou bolo. Pode também ser seca e vendida como “farinha de carimã”. Depois de pubada, a mandioca da variedade branca ou da amarela pode ser triturada integralmente (com crueira) para se transformar em farinha d´água em suas muitas versões, com coco inclusive. Esta massa da foto veio de Recife e foi comprada no Mercado Municipal da Lapa.


Farinha d´água de Bragança - PA, considerada a melhor farinha do Pará. Esta da foto, na versão com coco, do Seu Bené

Farinha d´agua – Típica da região Norte, é feita com a mandioca puba triturada. Pode ser feita com mandiocas brancas ou amarelas - esta, mais comum. É usada para fazer pirões ou para acompanhar pratos com molho: moquecas, pato no tucupi, peixadas e cozidos. Ou na forma de misturas molhadas como chibé ou jacuba (basicamente mistura de água e farinha, que pode ser temperada com açúcar ou mel). Vai bem ainda no pirão ou numa sopa feita com carne e caldo. É usada como farinha de mesa na região Norte. Mas tem que engolir direto sem mastigar ou deixar na boca algum tempo para umedecer.
Farinha d´agua de BragançaPA – feita com mandioca amarela pubada, torrada com ou sem coco e embalada em paneiro de arumã. Boa como farinha para comer de merenda, para fazer pirão ou acompanhar pratos molhados. Fiz um pão de castanha usando um pouco dela e deu muito certo.

Esta eu comprei no Mercado Municipal de Manaus
Farinha d´agua de Uarini, tipo Ovinha
– típica do Amazonas, feita no distrito de Uarini (a 3 dias de Manaus ou 2 horas de barco, de Tefé). Também conhecida simplesmente como farinha de Uarini. É um produto raro, o caviar das farinhas, custa caro (cerca de R$ 5,00 o quilo) se comparada às outras porque seu feitio é trabalhoso. É feita com a mandioca amarela pubada por 3 dias. Depois de espremida no tipiti (prensa de palha), passa por peneira para tirar a crueira (o resíduo duro) e então vai para a masseira para ser rolada com a mão até formar bolinhas e tamanhos variados. Há uma opção mais "moderna" que é passar a massa por uma engenhoca artesanal chamada de emboladeira – duas placas de madeira ou metal rolam uma sobre a outra com ma massa entre elas, formando bolinhas. Depois de secas em tacho, são peneiradas para separar por tamanho: ova ou ovinhas. A coisa mais deliciosa que já provei nos últimos tempos. A receita do cuscuz que apresentei no Laboratório Paladar e outras mais estão aqui. Uma moradora de Uarini, Domingas Bezerra, me contou que com ela se faz delicioso mingau doce com leite de castanha. Nham nham ... a experimentar.

A goma fresca se apresenta assim, em torrões
Goma – geralmente quem faz farinha, não extraí polvilho e vice-versa. Mas há quem faça as duas coisas e neste caso, o produto resultante depois da extração do amido é uma farinha rica em fibras, mas pobre em amido. Dependendo do lugar, pode ser chamada de farinha seca (que em outros lugares é a nossa farinha comum, sem pubar) ou farinha de raspa. Para extrair a fécula (amido da mandioca, polvilho ou goma), a mandioca é ralada, lavada e prensada. O líquido obtido é deixado em repouso por cerca de 4 horas para o amido decantar. A água é jogada fora, restando no fundo o sedimento úmido. É a goma fresca. Desmanchado e deixado a secar este sedimento transforma-se em fécula seca, um talco fino que recebe o nome comercial de polvilho doce. Se a água é deixada com a goma sedimentada para fermentar por cerca de 10 dias, o polvilho resultante estará ácido. É o polvilho azedo. Tenho um post onde faço um passo-a-passo artesanal deste processo. Se quiser, veja aqui.


Goma fresca - pode ser peneirada para fazer beijus crocantes ou tapiocas (as panquequinhas brancas e úmidas). Um ou outro dependendo da espessura ou do calor empregado. No Mercado da Lapa há também "goma seca do Norte" que nada mais é que o polvilho para nós paulistas, só que um pouco mais encaroçado.

Polvilho doce – é a goma desidratada até virar um talco bem fino. Quando hidratado e aquecido, dá bastante liga, portanto, é bom também para fazer beijus e tapiocas. Com líquido e aquecido, forma um mingau cremoso e transparente, com bastante liga. Pode ser usado para fazer pãezinhos, bolos, brevidades.


Polvilho azedo
– como já disse acima, a água com o sumo da mandioca é deixada com a goma sedimentada para fermentar por cerca de 10 dias ou mais. O polvilho tirado daí estará bem ácido e confere sabor ácido agradável aos preparos, além de permitir maior expansão: pães de queijo e biscoitos de polvilho crocante, por exemplo. O mingau feito com ele é mais escuro, transparente, cremoso e macio (tem proporção maior de amilopectina, responsável pela maciez e transparência, em relação à amilose, cujo teor diminui com a acidez).

Sagu – é feito com a goma (polvilho, fécula) da mandioca, mas originalmente era feito com o amido de uma palmeira (sagueiro). Em outros países pode ser feito com o amido mais abundante no local, como de batata-doce, por exemplo. Na indústria, o amido é coagulado e boleado para bolar esferinhas de tamanho padronizado. Artesanalmente a massa era boleada com as mãos sobre pano estendido e depois seca.


Farinha de tapioca – típica do Pará, são grânulos de amido coagulados na forma de sagus, e estourados em chapa quente como pipocas. A extrusão dá aos grânulos aspecto de isopor. Usada em pãezinhos, mingaus, cobrindo sobremesas ou como acompanhamento de polpa de açaí ou bacaba salgada ou doce.

Tapioca granulada – feita com o amido molhado que é coagulado em grânulos sobre chapa quente. É separada por peneira em grãos finos ou grossos. Tem aparência de sal grosso, meio translúcida e pode ser usada em cuscuz (umedecida com leite de coco doce), bolos ou mingaus.


Farinha de mandioca comum ou seca – ou ainda farinha de mesa. Aquela que conhecemos como farinha comum e que vai à mesa para acompanhar pratos de carne ou peixe. É nosso pão brasileiro para acompanhar comidas de todo tipo, principalmente entre nordestinos. Pode ser usada para fazer farofas – crocantes, com manteiga, ou de água. Pela legislação brasileira, a farinha comercializada tem que ter no mínimo 75% de amido (a goma). Alguns tipos artesanais, no entanto, são mais polvilhadas, como as do Sul, finíssimas quase como trigo. No processo normal a mandioca é descascada, ralada, prensada e seca em grandes tachos. Se a polpa for lavada com água antes de ir à prensa para extrair o polvilho, que é levado com a água, a farinha sairá mais fibrosa (rica em fibras insolúveis, o que não é nada mal pra quem quer ter regularidade intestinal), conhecida no Norte, esta sim, como farinha seca, considerada de categoria inferior. É boa para sopa, como a que a Mara Salles fez na aula coletiva, pois não a deixa muito viscosa.



Farinha amarela do Pará – igual à de cima, só que feita com farinha amarela. Boa como farinha de mesa e para farofas. Com banana-da-terra e caranguejo, por exemplo. Algumas casas de farinha adicionam corante amarelo-tartrazina, que é proibido. Na casa de farinha onde fui, em Nazaré - BA, havia um saquinho com pó amarelo. Cheirei, experimentei e constatei ique era cúrcuma. Ele confessou que às vezes usa, mas que também tem colegas que usam corante artificial mesmo. Agora, quando a gente compra no comércio, vai saber... Segundo um trabalho que li recentemente e avaliou entre outros itens a adição de corantes, a maioria das amostras testadas estavam dentro das conformidades.



Farinha bijusada quebradinha
– típica da Bahia. Minha amiga Silvia Lopes sempre me traz de Salvador quando vem de lá. É feita com goma molhada seca peneirada numa camada fina sobre chapa quente formando pequenos beijus disformes e crocantes. Na Bahia ela pode ser consumida no café (isto mesmo, dentro do café) ou no leite, com rapadura. É bom tambem pra deixar do lado do computador e ir beliscando na hora da fome. Com coco ralado e açúcar, levada ao forno, faz um tipo de granola para ser comida pura ou acompanhando frutas. Aliás, muito melhor que qualquer granola.
Outros posts aqui do Come-se sobre farinhas e ingredientes do Paladar Brasileiro
:

Farinha d´água - sobre a farinha do Seu Bené, de Bragança-PA, e receita de pão feito com ela
Farinha de copioba - visita à casa de farinha de copioba em Nazaré das Farinhas-BA

Da mandioca até a tapioca - todos os processos até chegar ao polvilho, usando liquidificador

Farinha de Jacupiranga - uma delícia aqui perto de nós

Farinha ovinha - receitas de cuscuz, sopa e salada

Outros ingredientes que apareceram no Laboratório:

Turu - sobre o moluco do marajó, com receitas

Cipó d´álho - nosso alho em folha

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Jundiá de Porto Alegre


Tem carne amarelada, suave e farta


É peixe barato, difícil de achar em São Paulo

Viagens sempre rendem muito assunto. De Porto Alegre ainda tem é coisa. Lembrei dos jundiás congelados que o jundiaiense Marcos quis trazer do Mercado Municipal porque lembrava sua infância, quando o peixe era farto no Rio Jundiaí. Quem diria que tínhamos tanto peixe aqui tão perto? Tanto que deu nome à cidade. Com a poluição, ele praticamente desapareceu. Depois do tratamento do esgoto da cidade em 1988, ele já pode ser encontrado novamente, mas ainda em pequena quantidade, pois não adianta só Jundiaí tratar seus dejetos. E as cidades vizinhas?

Jundiá quer dizer peixe de barba, afinal o bicho é um bagre (Rhamdia quelen) bem feioso e barbado, mas a carne é bonita, amarelada e farta, com textura firme e sabor suave. Uma parte virou ensopado e a outra foi grelhada. Os dois jeitos aprovados aqui pelos quatro viajantes.


A cabeça é boa de se comer sozinha, sem censuras. Sempre fica pra eu comer no outro dia bem temperada, bem quentinha, com farinha. Eita, que a morte deste peixe não foi em vão!

Jundiá ensopado
2 jundiás limpos, com cabeça (1 kg)
½ colher (sopa) de sal
2 dentes de alho socados
1 colher (chá) de pimenta dedo-de-moça sem sementes picada
Suco de 1 limão-rosa
2 colheres (sopa) de azeite de urucum
1 cebola picada
2 tomates picados
1 pimentão verde picado
1 ramo de alfavaca

Cheiro-verde picado a gosto

Modo de fazer: corte a cabeça e, depois, o resto do corpo em postas. Tempere com sal, alho, pimenta e limão. Deixe repousar por 1 hora.
Numa panela, aqueça o azeite e murche nele a cebola. Junte o tomate e o pimentão e mexa bem. Junte meia xícara de água morna e deixe formar um molho. Junte as cabeças e as postas de peixe com o caldinho que formou. Mexa com delicadeza para que um pouco do molho cubra as postas. Tampe a panela e deixe cozinhar por cerca de 10 minutos. Junte a alfavaca e o cheiro verde, abafe um pouco e sirva em seguida com arroz ou farinha d´água (ou os dois)



Rende: 4 a 6 porções




Jundiá grelhado

1 kg de postas de jundiá
½ colher (sopa) de sal
2 dentes de alho socados
1 colher (chá) de pimenta dedo-de-moça sem sementes picada
Suco de 1 limão-rosa

Modo de fazer: tempere as postas com sal, alho, pimenta e limão. Deixe repousar por 1 hora. Grelhe na churrasqueira por 5 minutos de cada lado e sirva com arroz e salada.

Rende: 4 porções

terça-feira, 17 de junho de 2008

Achachairu


Uma dentada pra abrir. O resto é pura diversão

Às vezes minhas grandes descobertas cabem no bolso. Foi o que aconteceu desta vez, no 2º Laboratório Paladar de Cozinha Brasileira , quando fui apresentada a esta frutinha trazida no bornal do Beto Pimentel. Consegui não comer uma de cada variedade – eram duas, de uma se comia a casa e da outra, de casca travosa, não. Vou plantar a semente e quem sabe um dia possa ter um caminhão cheinho. Lá, na hora, chupei um montão, mas não deu pra saciar. O jeito foi procurar saber mais, enquanto não a tenho. Jurava ser uma Mirtácea, mas é da família Clusiaceae, a mesma do bacuri, bacuripari, bacurizinho. O achachairu ou Garcinia sp é azedo e doce na exata medida do equilíbrio, misto de jabuticaba, araçá, ciriguela e bacuri. É muito apreciado na Bolívia e na região amazônica de um modo geral. Mas parece já haver cultivo comercial há algum tempo nas regiões norte. E o Beto, na Bahia, deve ter um pomar inteiro, pelo jeito. Sorte de quem pode ir sempre ao Paraíso Tropical, seu restaurante em Salvador. A casca da frutinha é amarelo-alaranjado e falo da variedade maior, com casca dura, coriácea, como a da jabuticaba, que tem que ser estourada no dente. Como o bacuri e o mangostão, a polpa é solta da casca. Branquinha, suculenta, saborosa e pouca. Muito caroço pra pouca diversão, diria, mas a natureza tem lá seus porquês e seja como for é boa demais. A outra variedade, miúda, tem casca mais molinha e pode ser comida inteira, que não amarra a boca.
Que venha achachairu para sorvetes, sucos, geléias e recheios. E uma bacia cheia pra chupar à toa.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Paladar brasileiro

Quem não foi ao 2º Laboratório Paladar de Comida Brasileira perdeu muita coisa. Eu também perdi, afinal não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo. Mas ganhei também, e muito, com a oportunidade que tive de ensinar a fazer pamonha e falar um pouco do que sei sobre mandioca, junto com as talentosas Anna Soares, do Mesa 3, Mara Salles, do restaurante Tordesilhas e Jerônima Barbosa, da Pousada Fazenda São Jerônimo, na Ilha do Marajó. Estar no palco com um grupo deste porte já é um presente sem preço. Aproveitei pra dar a receita da bijajica e do cuscuz de farinha ovinha. Mara mostrou e ensinou a fazer uma massa maravilhosa com mandioca cozida, congelada, cozida no vapor e socada até ficar lisinha. Não precisa de farinha alguma pra fazer com ela bolinhos recheados, pãezinhos na chapa, que incham como pitas e tantas outras maravilhas criadas pela Anna, expert em massas - caldinho de músculo com espaguete feito em espremedor de batatas ou palitinhos assados como grissini. Tudo com o puro creme da mandioca, como diz a Mara. Ah, ainda fui jurada do Concurso de Farofas. Todas estavam tão boas e devo ter comido tanto das nove que concorriam, que passei mal à noite. Mas valeu.
Algumas fotos para atiçar o apetite:


Produtos da mandioca, em mostra na nossa aula


Salada do Beto Pimentel, do restaurante Paraíso Tropical, de Salvador, com maturi (castanha de caju imatura) e frutas diversas como o bilimbi /limão-de-caiena (Averrhoa bilimbi L) e polpa de coco fresco.


Um dos maiores ganhos: conheci duas variedades de achachairu (Garcinia sp), trazidas pelo Beto Pimentel. Falo delas depois


Moqueca com polpa de coco verde, frutas como o hibisco e dendê (o fruto e a polpa). Do Beto Pimentel, do Paraíso Tropical, de Salvador


Sardinhas embaladas em folhas de taioba com alho, assadas. Simples assim.


Mangaritos com ervas, da Mara Salles, do Tordesilhas.


Seu João, o produtor de mangaritos. Telefone: (11-5561-0120)


Beto Pimentel com suas frutas que cultiva no quintal do restaurante. De dia na agricultura e de noite na criatura é seu lema...


O ganhador da melhor farofa, com prêmia da Tramontina


Milho levemente raspado, cozido com água salgada e folhas de cambuquira


Nós, na radiografia da mandioca

sábado, 14 de junho de 2008

Laboratório Paladar de Cozinha Brasileira. Amanhã tem mandioca.


Mara Salles. Requinte com ingredientes marginalizados

Ontem dei a oficina de pamonha no 2º Laboratório Paladar de Cozinha Brasileira e apesar dos tropeços nervosos, foi tudo bem. Três gerações de pamonhonas – minha mãe Olga, Ananda, minha filha Ananda e eu, aprendiz de pamonheira. Não tinha muita gente, mas quem foi tinha cara amigável e ajudou a dissipar o incômodo da inimiga timidez. Sem falar do carinho dos amigos de sempre, Luiz Horta, Celso Fioravante, Beto Pimentel e Rita Atrib. Quem não foi, não sabe fazer pamonha e quer saber, veja ou reveja o passo-a-passo já publicado aqui no Come-se: Pamonha da Dona Olga.

Ainda pude ver um pouco da aula da Mara Salles, um show com taiobas, mangaritos, sardinhas, brindados com a criatividade da chef. Da cuscuzeira da Maria Luiza Trajano, pena que só pude ver um pouco. E perdi feio não podendo ver a aula do chef Rodrigo, do restaurante Mocotó, e experimentar do seu bode - segundo minha irmã Biba Rigo, que experimentou, foi o melhor que ela já provou. Nem da minha amiga Jerônima Barbosa, que falou de turu, moqueca com leite de búfala e outras delícias do Marajó no mesmo horário da minha oficina. Felizmente já tive o privilégio de provar tudo in loco algumas vezes. No final, já no estacionamento, conheci pessoalmente o Eduardo Luz, do blog Da Cachaça Pro Vinho, que já uma vez me presenteou com manjericões exoticos.


Orgulho de minhas raizes!

Hoje tem concurso de farofa do qual farei parte do Juri. E amanhã tem Radiografia da Mandioca, em que participarei junto com a Ana Soares, Mara Salles e Jerônima. Vamo que vamo. Apareçam!

Faça sua inscrição pelo telefone 11 6838-3177 ou saiba mais no site
http://www.saopaulofoodwine.com.br/.