quarta-feira, 25 de julho de 2007

Peixe galo

Mercado da Lapa

De vez em quando, às sextas-feiras, compro peixe fresco no Mercado da Lapa, que é um tipo de Mercadão (o da Cantareira), só que menorzinho, mais provinciano. Chego lá como quem não quer nada, olho tudo sem pressa e ainda fico perguntando para quem compra, como quem não sabe de nada (ninguém aguenta fazer compras comigo). Não vou com o nome do que quero na cabeça. Decido na hora pela cara do bicho. Se seus olhos brilham quando ele olha para mim, se é fresco e se rola uma empatia entre nós, eu levo, independente do quão estranho ele possa parecer. Parto do princípio de que se está lá para vender é porque alguém come. E este alguém pode ser eu. Esta foi a vez do peixe-galo que eu nunca tinha comido antes mas já suspeitava que fosse bom. Minha intuição não falhou. Bom e barato, além de tudo. Deu para tirar, sem espinhos, 2 filés grandes e 2 menores. A carne é maravilhosa, untuosa e macia sem ser gordurosa e sem se esmigalhar depois de cozida. E não se desperdiça nada. Aproveitei as espinhas para fazer um caldo que usei na caldeirada de frutos do mar de sábado (falo depois dela). E toda a carninha aderida usei para fazer bolinhos fritos e no vapor.


Dentro dele, instrumentos de cozinha
Fiquei impressionada com a engenharia deste peixe de corpo comprimido e alto. Ele possui uma pedra óssea e achatada no meio do corpo, que é para mantê-lo na vertical – do contrário tombaria e se arrastaria pelos fundos rochosos feito linguado. E dois espinhos com calombos, um de cada lado da vértebra, com a mesma função, suponho, de equilíbrio. Não resisti, lavei bem, sequei ao sol e dei uma lixadinha nas peças, que viraram utensílios, como se vêem nas fotos – o primeiro, escamador de peixes bastante ergonômico e adaptado ao tamanho da minha mão; e o segundo, um espetinho - é quase imoral isto, o espinho espetando a própria carne que há pouco estivera grudada nele, mas de qualquer forma usaria outro espeto e assim a morte do peixe-galo não foi em vão. Ele foi útil de cabo a rabo.

Nome científico do peixe-galo: Selene voner (há outra espécie parecida, o Selene setapinnis)
Nomes vulgares: testudo, capão, galo-bandeira, galo-de-fita, galo-do-alto, galo-do-morro, alfaquim, abacatuaia)
Em inglês: lookdown, horsehead, moonfish
Vantagens: carne razoavelmente magra (menos que 3% de gordura), rica em ácidos graxos omega-3, sem escamas, pouco espinho, deliciosa, barata. E rende caldo gelatinoso, cheio de sabor.
O filé


Para fazer os filés, é só começar fazendo um corte no meio, ao longo da espinha, e ir separando a carne rente às vertebras. Melhor tirar a pele – tentei fazer com ela, mas não é algo muito flexível e, em contato com o calor, se contrai toda, fazendo o peixe enrolar. Então, com uma faca afiada, tire a pele e faça alguns cortes rasos e cruzados no filé, pois mesmo limpa a carne tende a se enrolar um pouco. Basta temperar com sal e pimenta, chapear com pouquíssimo azeite em frigideira antiaderente, dourando dos dois lados, e reservar. Depois é só juntar um pouco de alho poró picado (ou alcaparra, cebolinha, o que queira), umas duas concha de caldo (que se faz com a própria espinha, cabeça e temperos), esperar reduzir um pouco e juntar umas gotas de limão e manteiga gelada em pedacinhos, chacoalhando sempre a frigideira (querendo deixa-lo mais light, é só pular esta parte). Pronto, rapidíssimo. Servir com algum purê – o meu, fiz com mandioca e ameixa seca – cozidas juntas, peneiradas e temperadas com sal e cebola em cubinhos bem dourada na manteiga.
Se preferir, peça para o peixeiro fazer isto, mas é muito fácil
O caldo

Lavei bem o que sobrou do peixe, para não deixar restos de sangue, e coloquei na panela com água e temperos: cebola, cenoura, folhas de salsinha, pimenta-do-reino preta, sal e pedaços de alho poro. Se quisesse um caldo mais límpido, que não era o caso, não teria usado a cabeça – ou pelo menos os olhos e guelras. Trocaria ainda a pimenta preta por branca. E nos dois casos usaria um pouco de vinho branco, se tivesse. Se for usar o caldo de imediato, congele para fazer sopas, risotos de frutos do mar, molhos, caldeiradas.

O bolinho

Coei o caldo e guardei para usar no outro dia. Separei todas as carnes da bochecha e as aderidas à espinha, que me rendeu 1 xícara. Coloquei no processador a carne bem escorrida e sem espinhos, 1 colher (sopa) de salsinha picada, meia pimenta dedo-de-moça, 1 fatia ralada de gengibre, 2 claras de ovo e 2 colheres (sopa) de amido de milho – maisena. Bati bem até virar uma massa mais ou menos homogênea. Nesta hora é bom experimentar e corrigir o tempero, se quiser. Deixei na geladeira para ficar mais firme. Retirando porções de massa com duas colheres fiz duas coisas diferentes:



Moldei como quenelles, empanei com amido e cozinhei no vapor rapidamente, só até firmar – depois você pode usar as duas gemas (que separou das claras usadas no bolinho) e 1 xícara do caldo de peixe, bater bem e levar ao banho-maria mexendo até engrossar – ficou uma delícia, mas a foto não ficou boa.

Ainda usando duas colheres, moldei em forma mais ou menos esférica, passei em farinha de rosca bem crespa e fritei. Serviu de entrada para a caldeirada do dia seguinte.

Quando virem este peixe bem fresco na peixaria, não deixem de experimentar.

11 comentários:

Fer Guimaraes Rosa disse...

Neide, isso eh outra aula! Que peixe diferente. E como os peixes sao baratos ai! Por aqui um dos mais baratos [compro no Farmers Market] custa $7 o pound [quase meio quilo]. Adorei as receitas, os bolinhos, como voce limpou o peixe--nessa parte eu acovardo! E a criatividade de transformar os ossinhos em instrumentos. Vou ler o post inteiro de novo. :-)

beijoo,

Eli disse...

Neidi você nos presenteia a cada aula dessa que dá aqui! Muito obrigada! Eu adorei tudo!

Flor de Sal disse...

Será que você é professora? Se não é, acredite que tem muito jeito!
A foto do mercado do peixe deixa-me cheia de inveja! Eu moro perto do mar, ou seja, por cá também não falta peixe fresco, mas esses aí, são bem diferentes!!!

Unknown disse...

Olá Neide eu lhe Digo Parabens pela apresentaçao do Peixe Galo!!!
eu gostei do texto de tudo!
eu conheço este peixe já fiz em Salvador e em sao Paulo .
é maravilhoso mesmo!
Comida é feita com AMOR e deve ser Celebrada sempre Sucesso
eu sempre falo comida é amor e celebraçao !!!
beijos Cris

Neide Rigo disse...

Obrigada, Flor de Sal, não levo o menor jeito para ser professora, acredite. Sou nutricionista e escrevo sobre ingredientes para a Revista Caras. bjs, n

sevenight disse...

Neide:
Parabéns!
Q show de apresentação.
Criatividade e nem sei mais o q de tão bacana q achei, guria.
Adorei tudo o q vi.
Mas tem uma paradinha: o peixe que vc comprou é o Galinho, ou Galo da Costa. Ele tem dois primos, o Peixe-Galo, bem maior, mas praticamente idêntico em formato, e o Galo do Alto.
O Galo do Alto tem este nome por ser um peixe que habita o alto-mar.
É um peixe oceânico, que tem o corpo acompridado e a parte superior escura.
Aqui em Natal, é considerado o mais nobre pescado.
Apesar de ser um peixe oceânico e de couro, distingue-se de seus companheiros do alto-mar pela brancura da carne, sabor e aroma suaves.
É especial para cozinhar ou assar no forno, já que mantém a firmeza da carne.
Vou procurar uma foto e te mandar.
abs,

Max Fonseca

Neide Rigo disse...

Oi, Max,
bom saber! Estou aguardando a foto. Obrigada, um abraço,
Neide

Teófilo de Flamboyant disse...

Essa página é incrível. Incrível, incrível. Você é genial. Estou adorando ler isso aqui.

Parabéns e continue!

Abrs.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Amei sua explicação sobre o peixe galo! Parabéns 💗

Anônimo disse...

esse peixe me parece "parente" do peixe john dory. popularíssimo em restaurantes europeus estrelados.

curioso que aqui esses peixes só aparecem no mercado porque provavelmente foram pegos "sem querer" em alguma rede.